A quem pensa em viver de videogames no Brasil, aí vai um conselho: é mais prudente abrir uma loja do que se arriscar no sonho de criar seus próprios jogos. Enquanto somos o 11º maior mercado consumidor de games do mundo e o maior da América Latina, segundo a consultoria internacional Newzoo, a indústria local de desenvolvimento de jogos segue nanica.
Para se manter, estima-se que dois terços dos cerca de 220 estúdios nacionais tenham que dividir o foco em entretenimento com segmentos mais sisudos, como jogos para publicidade e treinamento profissional. Mas novos canais de distribuição, como redes sociais e celulares, abrem oportunidades e impulsionam o interesse pelo setor, que deve faturar R$ 1,2 bilhão este ano. Matrículas em faculdades de desenvolvimento de games saltaram 80% de 2010 a 2012.
Pouca experiência
Os estúdios locais estão mais para start-ups do que para grandes corporações. Não passa de 50 o número de empresas consolidadas com mais de três anos de experiência, afirma Eliana Russi, da Associação Brasileira dos Desenvolvedores de Jogos Digitais (Abragames), que reúne desenvolvedores brasileiros. Quarenta por cento têm menos de dois anos de vida, segundo tese de doutorado apresentada em 2013 à Universidade de São Paulo (USP) por Marcos Vinicius Cardoso, que ouviu 70 companhias. Segundo ele, 59% têm até nove funcionários e 74% faturam menos que R$ 2,4 milhões ao ano.
A produção local contraria também o imaginário em torno do setor. Jogos de grande sucesso mundial, como as franquias “GTA” e “Call of Duty”, ainda não estão no horizonte das produtoras brasileiras. Segundo o vice-presidente da Abragames, Fred Vasconcelos, três pilares sustentam grande parte do mercado nacional: jogos para dispositivos móveis, educativos e publicitários.
- Os jogos AAA (triple A), que vendem na caixinha, custam milhões de dólares para serem produzidos - comenta. - O Brasil ainda não emplacou nenhum título assim.
A niteroiense Aiyra é exemplo do que acontece na maior parte dos estúdios nacionais. O montante principal do faturamento é com jogos encomendados por outras empresas.
- É difícil ganhar dinheiro só com entretenimento. Não podemos abandonar tudo para fazer os jogos dos sonhos. Assim, optamos por um mix- contou o cofundador Adrian Laubisch.
A Aiyra continua investindo em entretenimento, mas seu projeto mais ambicioso está interrompido. O jogo de aventura “Guardião” começou a ser desenvolvido em 2009 para ser baixado no Xbox 360, mas a tecnologia em que foi baseado acabou sendo descontinuada no período e agora a empresa busca investidores para concluí-lo. Teve destino mais generoso outro jogo brasileiro, o RPG “Knights of Pen and Paper". Lançado há um ano pela brasiliense Behold Studios para PC e celulares, já faturou mais de R$ 1 milhão.
A história do seu desenvolvimento é retrato da situação do setor. Sem lugar para funcionar após deixarem a incubadora da UNB, o diretor de arte Betu Souza e três amigos fizeram de “escritório” uma livraria num shopping de Brasília, desfrutando de espaço físico, Wi-Fi e ar-condicionado.
Produzir games de qualidade custa caro. Empresários reclamam dos altos impostos para importar computadores e softwares, fazendo com que a indústria local seja pouco competitiva. Em 2008, a gigante francesa Ubisoft abriu estúdio no país, mas fechou após dois anos devido aos altos impostos pagos para importação de equipamentos.
A falta de profissionalismo também explica a alta mortalidade dos estúdios. Laubisch, da Aiyra, observou que a paixão dos empresários do ramo pelos jogos nem sempre é proporcional ao tino empreendedor:
- Aos 15 anos, ninguém abre uma empresa de entrega em domicílio. No caso dos estúdios, isso acontece muito.
Apesar desses poréns, a indústria local cresce. Em 2004, eram apenas 60 estúdios. Este ano, a Abragames prevê que o setor vai faturar R$ 1,2 bilhão. No fim de 2013, a Sony homologou 19 desenvolvedores nacionais, e a expectativa é que os primeiros títulos apareçam em breve na PlayStation Network.
- Canais de publicação direta, como as lojas de iPhone e Android, abrem espaço para que bons jogos façam sucesso. “Angry Birds” surgiu assim, e “Minecraft” foi feito por uma só pessoa - lembrou Bertrand Chaverot, da Ubisoft.
Devido a isso, Marcos Vinicius Cardoso concluiu que, dos 211 produtos desenvolvidos pelas empresas que investigou, 23% estavam na plataforma mobile (celular e tablet), 19% na web e 11% nas redes sociais. Os consoles ficaram com apenas 5%. Segundo a Newzoo, o Brasil tem mais usuários de games sociais/casuais (45,2 milhões) que de consoles (33,7 milhões).
- Jogos casuais e apps de smartphone são mais simples de fazer e permitem ao pequeno desenvolvedor chegar diretamente ao público. Na década passada, o fenômeno dos games em Java para celular tornou isso possível, mas as operadoras ficavam com a maior fatia da receita - explicou Laubisch.
Futuro próspero?
Quanto ao futuro, está otimista Luiz Sakuda, que realiza pesquisa inédita sobre a indústria de games brasileira na USP. Segundo ele, é possível que a Agência Nacional do Cinema (Ancine) inclua os games na categoria de audiovisual interativo, o que daria acesso ao Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). A Ancine não quis comentar a informação.
- Acho que mudanças como essa podem fazer nossa indústria passar a focar em entretenimento, o que obrigará a maior integração com a indústria de animação. Também acredito que fundos de capital de risco começarão olhar para esse mercado - disse Sakuda.
Espera-se ainda que produza resultados convênio entre governo federal (Apex-Brasil, a agência de promoção do comércio exterior) e Abragames iniciado ano passado para internacionalizar o setor. O chamado Brazilian Game Developers (BGD) levou empresas e autoridades ao Canadá para conhecer um dos maiores polos do mundo.
- O brasileiro adora se ver na tela. Veja o caso das novelas. Por que com os games é diferente?
- perguntou Eliana Russi, responsável pelo BGD. - Identificamos que, para formar um polo de produção de games, são necessários incentivos públicos nas áreas fiscal, profissional e de investimento. Hoje, não temos nada isso.