A Confederação Nacional da Indústria (CNI) identificou 17 novas barreiras comerciais entre março e maio deste ano. No mês de abril, o setor registrou recuo de 18,8% na produção na comparação com março, o maior da história, segundo dados divulgados nesta quarta-feira pelo IBGE.
Os entraves aos produtos vieram majoritariamente da China, mas a Argentina, México, Arábia Saudita e União Europeia também criaram novas barreiras.
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Os chineses colocaram10 barreiras implementando subsídios na borracha, materiais elétricos e produtos metalúrgicos levantados nos últimos dois meses. Segundo a CNI, com os subsídios, os produtos são vendidos a preços mais baixos, configurando uma “concorrência desleal” com produtos de outros países.
Quando países colocam barreiras comerciais, o objetivo é de defender os produtos nacionais contra alternativas estrangeiras que sejam de melhor qualidade ou mais baratas. Colocando impostos ou subsídios, elas tornam o produto interno mais acessível e estimulam o seu consumo.
Invasão de produtos “made in China”
E o governo chinês também oferece subsídios para exportadores, o que já causa apreensão entre os empresários brasileiros, que temem uma invasão de produtos ‘made in China’. Por isso, lideranças de cadeias produtivas pedem o aumento nas alíquotas do Reintegra, programa do governo federal para reembolsar os impostos pagos pela indústria brasileira sobre produtos que acabam exportados.
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A queixa do empresariado é de falta de informações sobre os subsídios do governo chinês à sua indústria. De acordo com José Jorge do Nascimento Júnior, presidente da Eletros, associação de fabricantes de eletroeletrônicos, várias províncias chinesas estão aumentando as alíquotas dos créditos tributários a empresas exportadoras. Os valores variam de acordo com a cadeia produtiva e a região do país.
— É muito difícil controlar quem está recebendo que tipo de subsídio — diz ele.
No caso de eletroeletrônicos, em média 15% do valor do produto chinês exportado retorna à indústria fabricante na forma de créditos doados pelo governo chinês a título de estímulo às exportações.
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Synésio Batista da Costa, presidente da Abrinq, associação das fabricantes brasileiras de brinquedos, diz que as concorrentes chinesas estão recebendo em média 15% de rebate sobre o valor de cada produto exportado. Antes da crise, era 13%.
— Assim, as indústrias chinesas estão capitalizadas e dando mais vantagens. Já sabemos, por exemplo, que as fabricantes de lá estão dando 360 dias de prazo de pagamento aos compradores aqui do Brasil. Antes da pandemia esses valores eram em média de 180 dias — diz Costa.
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José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Abiplast, associação da indústria do plástico, relata um aumento nos benefícios recebidos por concorrentes de países num estágio mais avançado de retomada da economia. A lista inclui China, Alemanha e Coreia do Sul. A concorrência chinesa, contudo, é a mais preocupante pelo volume gigantesco — 90% do plástico consumido mundo afora é beneficiado por lá.
— Em crises anteriores, o governo chinês reduzia impostos para estimular a indústria. Agora, como a queda na atividade por lá foi muito brusca e as empresas ficaram sem dinheiro, o governo está injetando recursos com rebates tributários a quem exporta — diz Coelho.
Na cadeia do plástico, as alíquotas variam de 12% a 15% do valor das exportações.
Alíquota do Reintegra
Na lista de alternativas para evitar uma avalanche de importados chineses está melhorar as condições do Reintegra, programa do governo federal de apoio às exportações criado em 2011 com a missão de fazer justamente o que os chineses estão fazendo agora: rebater uma parte do imposto pago pela cadeia de produtos manufaturados que acabam exportados.
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No início, o Reintegra retornava às indústrias exportadoras um crédito equivalente a 3% do valor das exportações. Em 2017, em meio à crise fiscal no Tesouro Nacional, a alíquota caiu para 2%. Um ano depois, caiu novamente, para míseros 0,1%.
— A lei que criou o Reintegra permite até 5% de rebate. Gostaríamos que o governo federal apenas fizesse valer esse dispositivo para ajudar a indústria brasileira a retomar o fôlego — diz Haroldo Ferreira, presidente da Abicalçados, entidade do setor calçadista.
No acumulado de 2020, a queda na produção é de 27% em relação ao mesmo período do ano passado, motivada pelo tombo na demanda e os entraves na produção causados pela pandemia. Há duas semanas, Ferreira esteve numa reunião no Ministério da Economia para tratar do assunto. Desde então, diz ele, nada mudou.
Nascimento Júnior, da Eletros, defende estímulos mais ambiciosos.
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— Em um momento em que diversos mercados vêm aplicando a devolução do Reintegra em taxas superiores a 15%, o Brasil permanece com uma taxa de devolução da ordem de 0,1%. Entendemos que o ideal é que nossa taxa de devolução fosse, em média, de pelo menos 10%.
Para o consultor Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, a estrutura tributária complexa do Brasil prejudica em particular as cadeias produtivas longas — sujeitas a uma salada de impostos estaduais e federais sobre bens e serviços, como IPI, PIS, Cofins e ICMS. Nas contas de Barral, até 7% do valor das manufaturas exportadas pelo Brasil são de impostos cobrados ao longo da cadeia — e sem algum tipo de compensação do governo.
— Em tese, país nenhum no mundo deveria “exportar” impostos de suas cadeias produtivas, mas o Brasil exporta — diz ele, que defende uma discussão mais ampla sobre o papel do Reintegra na retomada da atividade econômica pós-pandemia.
Barreiras dos 'hermanos'
A CNI também identificou que a Argentina instituiu impostos contra veículos automotores e plásticos.
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Já o México e a Índia estão cobrando impostos de importação contra a carne de frango brasileira e o país asiático ainda implementou medidas sanitárias contra o couro. A Arábia Saudita também impôs barreiras ao frango e passou a exigir licenciamento da importação.
A União Europeia levantou barreiras em serviços de tecnologia da informação e telecomunicações.
De acordo com a CNI, desde que as barreiras começaram a ser identificadas, em 2018, o governo brasileiro solucionou apenas 10% das 70 contabilizadas.
Fonte: O Globo