‘Não é hora de brincar com política econômica’
Para o ex-diretor do Banco Central, a retomada da economia poderá ir para o vinagre se o governo adotar medidas populistas
Apesar da crise política, o economista Tony Volpon, 51 anos, está otimista em relação ao desempenho da economia. Segundo ele, “tudo conspira” para o Banco Central aprofundar o corte da taxa básica de juros (Selic) – medida considerada fundamental para alavancar a retomada da economia. Volpon diz, porém, que a recuperação poderá ir para o vinagre se o governo adotar medidas heterodoxas ou se houver dúvidas em relação à manutenção da atual equipe econômica. Em entrevista ao Estado, Volpon afirma que, diante da resistência do governo e dos políticos em cortar gastos, não havia alternativa a não ser o aumento de impostos, para o governo cumprir a meta fiscal neste ano.
Como o Sr analisa a decisão do governo de aumentar os tributos sobre combustíveis, para cumprir a meta fiscal de 2017? Esse ajuste é necessário – e veio tarde. Como o Brasil enfrenta uma crise fiscal e há resistência em cortar gastos ou a tendência de só fazer isso depois da eleição, teremos de amargar uma carga tributária maior, ainda que temporariamente. Em meados de 2015, no governo Dilma, quando ficou claro que não haveria como atingir a meta definida no início do ano, o mercado até estava disposto a aceitar uma mudança, desde que a meta de 2016 fosse mantida e o governo explicasse como iria atingi-la. Mas a Dilma decidiu mudar não só a meta de 2015, mas também a de 2016 – e foi isso que acentuou a perda de confiança no governo e a crise que acabou levando ao impeachment. Agora, de novo, a questão não é tanto a mudança ou não da meta de 2017, mas o que será feito em relação a 2018.
Na quarta-feira, o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) anunciou o corte da taxa básica de juro para 9,25% ao ano e já se prevê no mercado que os juros chegarão a 8% ao ano em dezembro. Mesmo
assim, muitos analistas dizem que a queda poderia ser mais rápida. Qual a sua visão sobre essa questão?
Não dá para ignorar que houve uma profunda mudança no processo inflacionário brasileiro. Tenho insistido nesse ponto desde o início do ano. Isso permitiu uma forte e rápida flexibilização monetária. A atual equipe do Banco Central, por varias razões, decidiu cortar a Selic de forma mais lenta. Mesmo assim, a minha estimativa é de que a Selic chegará a 7,5% ao ano ainda em 2017, o que representará quase a metade da taxa de 14,25% ao ano que estava em vigor antes do impeachment, em maio de 2016.
Há um receio entre executivos do mercado de que o governo adote medidas heterodoxas para tentar ganhar popularidade. Que efeito isso pode ter na economia?
Qualquer coisa que venha na direção contrária da atual política econômica poderá ter impacto negativo, condicionando a economia real, que está num processo consistente, mas ainda frágil e incipiente de recuperação. Não é hora, portanto, de brincar com a política econômica. Agora, quase todos os dias têm muito ruído político. Eu já estive no governo e sei que sempre tem alguma coisa sendo discutida em Brasília. Por enquanto, essas propostas só estão aparecendo nos jornais. Muitas vezes, são apenas “balões de ensaio”. Se você ficar seguindo cada manchete, cada notícia, cada boato, pode acabar deixando de lado o que realmente importa.
Ao contrário de outras crises, até agora não houve um impacto dramático das turbulências políticas na economia. A que o sr. atribui isso?
Primeiro, o mais relevante foram as condições externas. Hoje, elas são muito mais favoráveis do que no governo Dilma. Em meados de 2015, a desvalorização da moeda chinesa teve um impacto global sobre os mercados e fez a situação do Brasil, que já não era boa, por causa das incertezas internas, ficar muito pior. Hoje, as bolsas internacionais estão perto de suas máximas históricas, o crescimento global é o mais alto desde a crise financeira e os juros ainda estão bem comportados, embora as taxas americanas estejam em alta.
Que outros fatores podem explicar a relativa calmaria dos mercados hoje?
Apesar da volatilidade política, não houve até o momento mudanças significativas nas condições financeiras do País, a ponto de sugerir grandes revisões na taxa de crescimento esperada para os próximos trimestres e nas estimativas da taxa de juros, da inflação e do câmbio. Outro ponto é que, hoje, há uma equipe econômica que o mercado gosta e confia. Há também uma percepção de que ela vai ficar, com ou sem Temer, o que deverá garantir a continuidade da política econômica que o mercado apoia.
Como a eventual rejeição da reforma da Previdência pelo Congresso pode afetar esse cenário?
Se a reforma da Previdência não passar agora, o Congresso estará apenas retardando a aprovação para depois da eleição. A opinião mediana do mercado – obviamente há vozes dissidentes – é de que o processo de reformas continuará no próximo governo. A gente até pode discutir se essa crença é racional ou não, se é excesso de otimismo ou não. Mas o fato é que a combinação dessas coisas levaram o mercado a essa reação relativamente moderada às turbulências políticas. Agora, é claro que, se o Congresso aprovar a reforma da Previdência, haverá melhora adicional nas condições financeiras.
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - Economia