Uma turma com 18 formandos de um curso de computação. Até aí, nada de anormal, não fosse o fato de os alunos serem portadores de deficiência visual. E, para encerrar o curso, que teve duração de um ano, os alunos tiveram um novo desafio.
Na tarde da última terça-feira, 29/11, os alunos do curso de Operador de Computador, ministrado pela escola SENAI, em Anápolis, encerraram o ciclo de formação com ‘chave de ouro’. Eles participaram de uma atividade bem diferente e desafiadora: produzir detergente líquido com equipamentos desenvolvidos especialmente para auxiliá-los nesta tarefa.
Segundo o instrutor de Química da Faculdade de Tecnologia SENAI “Roberto Mange,” Aécio de Oliveira, a iniciativa só foi possível graças à integração de outras áreas de ensino da instituição, como a Mecânica e a Elétrica, que ajudaram na adaptação dos equipamentos a serem utilizados, dentre eles, uma régua medidora e um aparelho de medição de PH (acidez).
A ideia, de acordo com Aécio de Oliveira, era que estes equipamentos e as demais adaptações fossem testados pelos próprios deficientes visuais, para que os mesmos pudessem usar na prática e opinar sobre o que está bom e o que precisa ser melhorado. E, dessa forma, constituir um ambiente para que, futuramente, a área de Química possa receber este público para um eventual curso de capacitação para o mercado de trabalho.
Nesta etapa inicial, foi desenvolvido um manual em braile contendo a fórmula e os procedimentos a serem utilizados. A publicação foi elaborada com a ajuda de uma das alunas que é professora deste sistema de leitura para cegos. O manual foi “lido” e passou no teste. Os equipamentos, também, despertaram muito interesse e cada um deles foi, detalhadamente, explicado pelas auxiliares do projeto, as alunas do Curso de Química: Marina Souza Ramos, Millena Peres Barros e Suzana Gonçalves. Aliás, o interesse foi tanto que a turma até deixou para depois a parada programada para o lanche, a fim de colocar a mão na massa, ou seja, nos componentes para a formulação do detergente. Cada turma produziu cerca de cinco litros, que puderam levar para casa.
O processo exigiu dos deficientes visuais a utilização dos sentidos do tato, olfato e da audição. Neste último caso, por exemplo, na utilização do medidor de PH, que foi adaptado para dar um sinal quando a medida estiver correta. No caso do olfato, o sentido foi utilizado para se chegar à coloração do produto, que foi associado a uma fruta. E o tato para usar a régua de medição e em outras etapas. Enfim, um esforço múltiplo do corpo e da mente e de busca de novos conhecimentos, concentração, motivação e superação. Mas, tudo valeu a pena com o objetivo cumprido ao final da missão.
Conforme destacou o instrutor Aécio de Oliveira, este desafio abre caminho para que o próprio curso de Química e outros cursos possam, também, criar meios para promover a capacitação de pessoas com deficiências visuais, a fim de que os mesmos possam ter melhores condições de buscar vagas no mercado de trabalho.
Desafio de inclusão
A turma de formandos do curso de Operador de Computador começou as atividades em novembro de 2015 e, agora, conclui a formação após um ano e sem nenhuma baixa. Motivação não faltou para esta turma, que é bastante heterogênea. Tem jovens e pessoas já na terceira idade; pessoas em busca de trabalho e pessoas já empregadas em várias áreas; uma aposentada; uma psicóloga; uma professora de braile e até um cuidador de idoso.
A professora de informática, Valéria Elis, teve de se “reinventar” para ministrar o curso, que utiliza ferramentas próprias, como um programa denominado NVDA, um leitor de ecrã (tela do computador) para Windows produzido na Austrália, com plataforma gratuita e que recebe contribuições de todo o mundo para o seu permanente desenvolvimento. Para ela, trabalhar com a turma de deficientes visuais foi um “desafio gratificante”, uma troca de experiências e conhecimentos.
A coordenadora do curso de Operador de Computador, Renildes Leal, lembra que o mesmo começou a ser idealizado em 2014. A Associação dos Deficientes Visuais do Estado de Goiás (ADVEG), segundo ela, provocou o SENAI a fazer esta capacitação. O trabalho, então, se iniciou e foi reforçado com a parceria do Fórum de Inclusão no Mercado de Trabalho das Pessoas com Deficiência e dos Reabilitados pelo INSS. Em Goiânia, já havia uma iniciativa consolidada na Faculdade de Tecnologia SENAI de Desenvolvimento Gerencial.
O curso começou, como quase todo começo, em algum momento da vida, foi difícil. A professora Valéria proporcionou à turma dedicação e atenção total, muito além do conhecimento em sala de aula. Festas, confraternizações e atividades que fortaleceram os laços de amizade entre o grupo. Assim, os medos e as dificuldades ficaram para trás. Um ano se passou (rapidamente- diz a professora) e, hoje, os alunos estão prontos para navegar na internet e desenvolver trabalhos com plataformas conhecidas como os programas Word, Excel e o Power Point.
O curso, portanto, cumpriu com sua missão e transcendeu ao objetivo básico, que foi a capacitação. Mostrou que, verdadeiramente, a inclusão social de pessoas com deficiência - visual ou outras deficiências - é uma realidade e um caminho para que estas pessoas tenham uma melhor qualidade de vida. Mostrou que o caminho do aprendizado é um caminho longo, com muitos desafios e muitas vitórias.